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A importância da literacia científica para aceitar (ou rejeitar) a bioenergia

Empresas e instituições recorrem a discursos ambientais vagos – e muitas vezes falsos – para promover produtos ou serviços que, na prática, pouco diferem de alternativas convencionais, exceto no preço. Por Jorge Costa, coordenador da Licenciatura em Energias Renováveis e Ambiente do ISEC Lisboa

03 Dez 2025 - 11:20

4 min leitura

Jorge Costa, coordenador da Licenciatura em Energias Renováveis e Ambiente do ISEC Lisboa

Jorge Costa, coordenador da Licenciatura em Energias Renováveis e Ambiente do ISEC Lisboa

Numa altura em que a transição energética se tornou palavra de ordem, a bioenergia aparece frequentemente como solução para muitos dos nossos problemas ambientais. No entanto, como qualquer tecnologia, a bioenergia não é intrinsecamente boa nem má. O seu valor depende de condições concretas, escolhas técnicas, contextos socioeconómicos e, sobretudo, da capacidade da sociedade em compreender esses fatores. É precisamente nesta interseção entre tecnologia e compreensão pública que entra a literacia científica.

Esta ferramenta torna-se urgente, dado que a crescente pressão por soluções “verdes” abriu espaço a um fenómeno preocupante: o greenwashing. Empresas e instituições recorrem a discursos ambientais vagos – e muitas vezes falsos – para promover produtos ou serviços que, na prática, pouco diferem de alternativas convencionais, exceto no preço.

Neste cenário de desinformação, sem literacia científica, o cidadão comum tende a aceitar rótulos, como “eco”, “renovável” ou “sustentável”, sem questionar o que realmente significam. Por oposição, uma sociedade cientificamente literata não se deixa convencer por embalagens verdes ou slogans engenhosos. Compreende que alguns produtos ou serviços são apenas “ambientalmente equivalentes”; não melhoram significativamente o desempenho ambiental, mas justificam preços inflacionados sob o argumento, muitas vezes falso, da sustentabilidade. A literacia científica é, portanto, uma forma de defesa. Protege-nos contra decisões políticas ou empresariais baseadas mais em marketing do que em evidência.

Ser cientificamente literato não implica ser especialista. Implica saber perguntar: “Isto faz sentido?”. No caso da bioenergia, há perguntas essenciais que qualquer cidadão informado pode e deve colocar. Estas questões simples funcionam como filtros poderosos. Evitam que se aceite uma solução apenas porque surge rotulada como “verde”, ajudando a distinguir entre projetos de bioenergia que fazem sentido ambiental e social e aqueles que apenas deslocam o problema para outro lugar.

A falta destes “filtros” racionais agrava fenómenos emocionais, como a reação “Not In My Backyard” (NIMBY), comum quando se planeia instalar novas unidades industriais perto de comunidades locais. Muitas vezes, o receio nasce, não de dados concretos, mas do desconhecido. Sem noção clara dos riscos reais, padrões de segurança ou benefícios económicos, as populações rejeitam qualquer intervenção que sintam como ameaçadora.

Assim, comunidades informadas podem rejeitar projetos mal planeados, mas também aceitar aqueles que trazem emprego, sejam geradores de riqueza e desenvolvimento económico e social sustentável.

Existe uma tendência persistente para associar “natural” a “bom”. Contudo, a bioenergia mostra-nos como esta intuição pode ser enganadora. Um cidadão com literacia científica percebe que “vir da natureza” não garante ausência de impacte ambiental ou risco para a saúde. Sustentabilidade não é uma propriedade automática, é o resultado de práticas bem fundamentadas.Enquanto o público tende a pensar em categorias simples (bom ou mau, limpo ou sujo), a ciência opera num terreno de trade-offs. Quase todas as soluções têm vantagens e desvantagens. O desafio para investigadores, decisores e comunicadores é duplo, traduzir a complexidade sem simplificar em excesso e manter a confiança do público, mesmo quando a mensagem é incerta ou contraintuitiva.

A questão não é simplesmente aceitar a bioenergia ou rejeitá-la. A questão é decidir com base em conhecimento, e não em slogans, medos ou intuições.

A literacia científica não diz às pessoas o que pensar, dá-lhes ferramentas para pensar por si próprias. Uma sociedade cientificamente literata é menos vulnerável ao greenwashing, faz perguntas mais pertinentes, distingue riscos reais de receios infundados e compreende que a sustentabilidade é complexa, mas não inatingível. A bioenergia pode ser parte da solução da transição energética, mas só será verdadeiramente eficaz se for acompanhada por uma cidadania esclarecida e exigente.

 

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