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Entre o previsto e o real: lições do blackout ibérico para uma rede inteligente

A IA não substitui o julgamento humano, amplifica-o, permitindo que operadores detetem desvios mais cedo, antecipem riscos emergentes e testem cenários antes que o desequilíbrio se propague. Por Tiago Santos, CEO da Enlitia

17 Out 2025 - 07:20

4 min leitura

Tiago Santos, CEO da Enlitia

Tiago Santos, CEO da Enlitia

Em abril, uma falha em cadeia deixou milhões de consumidores sem eletricidade em vários pontos da Península Ibérica. O relatório posterior revelou um dado inquietante: entre as cinco causas preliminares identificadas, uma esteve diretamente ligada às previsões. Não apenas à sua precisão, mas também a atrasos, falta de granularidade e falhas de integração entre sistemas.

Num sistema elétrico cada vez mais dependente de fontes renováveis, uma previsão desatualizada pode ser tão perigosa quanto uma previsão errada. O episódio de abril foi mais do que um acidente técnico: foi um sintoma da pressão crescente que a transição energética exerce sobre as infraestruturas digitais que sustentam a rede.

O relatório da ENTSO-E sobre o blackout de abril realça:

– Diferenças significativas entre previsões de trânsito de energia e fluxos reais nas interligações Portugal–Espanha e Espanha–França;

– Dados de previsão solar transmitidos com uma hora de atraso;

– Modelos de previsão de produção solar e eólica, baseados em médias horárias que mascararam variações rápidas;

– Falta de alinhamento entre previsões, dados em tempo real e controlo de tensão.

Estas falhas não refletem apenas erros técnicos, mas revelam um problema de integração e maturidade. As previsões continuam, em muitos casos, confinadas a silos: meteorologia de um lado, produção de outro, operação e mercado em sistemas paralelos que raramente “falam” entre si. Quando o sistema depende de previsões fragmentadas, cada atraso, desvio ou erro de sincronização amplifica-se em segundos.

Ao longo da última década, os modelos de previsão tornaram-se mais precisos, porém nem sempre mais inteligentes. Muitos operadores ainda dependem de modelos que funcionam bem em condições médias, mas que falham em contextos extremos. Modelos baseados em médias horárias são suficientes para planeamento diário, mas não captam as oscilações de minutos que determinam a estabilidade de uma rede dominada por geração renovável intermitente.

É aqui que a inteligência artificial redefine o conceito de previsão. Em vez de modelos isolados, surgem sistemas capazes de combinar previsões de diferentes fontes, calibrá-las em tempo real com dados observados e integrá-las com modelos de operação e geração renovável.

A IA não substitui o julgamento humano, amplifica-o, permitindo que operadores detetem desvios mais cedo, antecipem riscos emergentes e testem cenários antes que o desequilíbrio se propague. Com algoritmos que analisam previsões meteorológicas, fluxos de rede e comportamento de ativos, é possível identificar fragilidades que, de outro modo, passariam despercebidas até ser tarde demais. A transição de uma rede automatizada para uma rede verdadeiramente inteligente exige esta fusão: a complementaridade entre perceção humana e velocidade computacional.

O blackout de abril não deve ser visto apenas como uma falha, mas como uma oportunidade de aprendizagem. Mostrou-nos que a segurança do sistema elétrico ibérico depende tanto da robustez física das infraestruturas como da qualidade digital das previsões que as alimentam. À medida que integramos mais energia eólica e solar, o desafio deixa de ser prever o futuro com exatidão, passa a ser adaptarmo-nos ao futuro à medida que ele acontece. Isso significa investir não só em modelos mais precisos, mas também em mecanismos de aprendizagem contínua e ferramentas de integração entre previsão, observação e controlo. A tecnologia está pronta. O verdadeiro salto será cultural: aceitar que a incerteza é inevitável e que o valor está na rapidez com que reagimos a ela.

O blackout foi um alerta de que a rede elétrica moderna é tão forte quanto o elo mais fraco das suas previsões. A próxima década exigirá mais do que modelos estatísticos, exigirá inteligência coletiva: humanos e máquinas a aprenderem em conjunto, sistemas interoperáveis e decisões suportadas por dados em tempo real.

Acredito que este é o caminho para uma rede verdadeiramente inteligente; uma rede que não apenas prevê, mas compreende; que não apenas reage, mas antecipa. Porque o futuro da energia não será definido pela ausência de falhas, mas pela velocidade e inteligência com que aprendemos com elas.

 

 

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