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Portugal lança Mercado Voluntário de Carbono: que riscos e oportunidades para as empresas?
A nova plataforma vai permitir a compra e venda de créditos de carbono gerados por projetos de redução ou sequestro de emissões. Especialistas alertam, no entanto, que o mecanismo não pode servir de pretexto para desacelerar o investimento direto na descarbonização.
24 Out 2025 - 07:44
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Portugal lança nesta sexta-feira o Mercado Voluntário de Carbono (MVC), uma plataforma que vai permitir comprar e vender créditos de carbono, de forma a gerar incentivos económicos para as empresas que promovam projetos de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ou de sequestro de carbono que contribuam para mitigar essas emissões. Simultaneamente, poderá acarretar benefícios ambientais e socioeconómicos para o país, naquela que é uma iniciativa que, segundo o Ministério do Ambiente e Energia, “marca mais um passo rumo à neutralidade climática em Portugal”.
Os projetos terão de seguir metodologias já aprovadas pela Agência para o Clima (ApC) e pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), de forma a poderem ser monitorizados, verificados e gerarem créditos de carbono futuros (CCF) ou verificados (CCV). Uma vez registados na plataforma do MVC, gerida pela ADENE, os créditos poderão ser transacionados. “Estes créditos de carbono podem ser utilizados para compensar emissões (aquisição de créditos por parte de agentes de mercado que pretendam compensar as emissões das suas atividades ou serviços que não possam ser mitigadas) ou para efetuar contribuições a favor da ação climática, através do financiamento de projetos sem que exista uma contrapartida”, explica Manuel Gouveia Pereira, sócio da GPA Advogados e responsável das Áreas de Ambiente, Clima, ESG & Público, ao Jornal PT Green.
Podem participar no MVC os promotores de projetos de mitigação de emissões de GEE, sejam eles indivíduos e organizações, públicas ou privadas, que adquiram ou utilizem créditos de carbono e as entidades responsáveis pela certificação.

Manuel Gouveia Pereira
Gouveia Pereira assegura que existem garantias jurídicas para que os créditos comprados pelas empresas tenham valor real e reconhecido, evitando riscos de litígio ou ‘greenwashing’. “O facto de os créditos de carbono serem reconhecidos, emitidos e transacionados através da plataforma do MVC e assentarem numa prévia validação do projeto de reduções de GEE ou de sequestro de carbono confere segurança e credibilidade ao processo”. E acrecenta que “a exigência de cumprimento dos princípios fundamentais e dos critérios de elegibilidade descritos no regime jurídico do MVC, bem como o facto de os projetos de carbono terem de obedecer às futuras metodologias de carbono para cada tipologia de projeto, elaboradas e/ou validadas pelas entidades públicas competentes, constitui igualmente uma garantia de segurança jurídica”.
Onde investir?
Mas, afinal, que oportunidades concretas o MVC pode trazer para as empresas portuguesas? Aqui há que distinguir que os créditos transacionáveis na plataforma podem ser créditos de carbono futuros (CCF) ou verificados (CCV). “Os CCF são gerados previamente à redução ou sequestro de emissões, estando sujeitos a validação inicial com base no potencial previsto de redução/sequestro para o período de duração do projeto, calculado ex ante, e não podem exceder 20% dos créditos totais previstos para a duração do projeto. Os CCV são gerados após uma redução/sequestro de emissões efetiva, validada por verificador independente, em fase de exploração do projeto calculado ex post”, explica Manuel Gouveia Pereira.
Esta nova plataforma funciona como “uma ponte entre economia e ecologia” e pode ser usada para cumprimento de metas ambientais e de compliance financeiro, refere, por sua vez, Nuno Gaspar de Oliveira, CEO da NBI – Natural Business Intelligence, ao Jornal PT Green. Porém, na sua perspetiva, quando uma empresa investe apenas em créditos de carbono “está a focar-se num serviço parcial de um sistema que é mais completo”. Ou seja, “o grande salto estratégico será integrar o carbono como métrica de performance ecológica para além de moeda de compensação”. Isso significa “investir em projetos de conservação, restauro e regeneração de territórios, que aumentem o stock e a capacidade de sequestro de carbono ao mesmo tempo que promovem a biodiversidade e criam benefícios mensuráveis para as comunidades locais”, refere. Acrescentando que “é aí que o carbono deixa de ser custo reputacional e se torna ativo de valor ecológico e económico, com retorno em capital natural, reputação ESG e acesso a novas oportunidades de desenvolvimento sustentável”.

Nuno Gaspar de Oliveira
Em termos concretos, para Nuno Gaspar de Oliveira, os projetos mais rentáveis e estratégicos no contexto do mercado voluntário de carbono não são necessariamente os de reflorestação rápida, mas sim os que evitam a perda de carbono existente. “Mais do que aquele que se planta, o carbono que mais conta é o que não se perde”, sublinha. O especialista defende que o verdadeiro potencial está na proteção e regeneração de ecossistemas maduros — como carvalhais, matos biodiversos e mosaicos agroflorestais — que armazenam carbono de forma duradoura e geram benefícios adicionais, como biodiversidade, regulação da água e proteção do solo. Estes sistemas, explica, são mais estáveis, resistentes a incêndios e criam valor económico e natural a longo prazo.
Já a nível legal, as empresas que recorram ao MVC “devem garantir que não existem quaisquer dúvidas em matéria de transparência, credibilidade e de reputação”, alerta Manuel Gouveia Pereira. Por isso, “devem garantir que a informação que divulgam publicamente, seja nos seus websites ou nos seus relatórios de sustentabilidade, não suscite quaisquer dúvidas ao nível de riscos de dupla contagem de emissões e de reversão de emissões e, ainda, quanto a cancelamento de créditos. Devem evidenciar, também, o cumprimento dos princípios da adicionalidade e da sustentabilidade”. A acrecentar a isto, podem ainda divulgar os relatórios de monitorização dos projetos de carbono e respetivas reduções de GEE ou de sequestro de carbono apresentados à APA, sublinha o advogado.
O risco de “esquecer” a descarbonização
Uma das críticas apontadas ao MVC é que as empresas podem desacelerar o investimento na descarbonização da sua atividade, por exemplo, desinvestindo em processos produtivos mais verdes, por terem este novo instrumento à sua disposição que mitiga o seu impacto ambiental. “O risco existe e é mais profundo do que parece, não é apenas o risco de comprar neutralidade em vez de a construir, mas o de confundir contabilidade com transformação”, assinala Nuno Gaspar de Oliveira.
O também biólogo alerta que “a descarbonização, quando reduzida a cálculo, perde o sentido sistémico, uma empresa pode compensar as suas emissões e continuar a destruir solos, fragmentar habitats ou degradar água, e isso significa que o seu impacto líquido continua negativo, mesmo que o balanço de CO₂ pareça neutro”. E destaca aqui o novo quadro europeu de Créditos de Natureza, “que vem reconhecer precisamente isso: que o clima não é um setor isolado, mas a expressão de um sistema vivo”, sublinha.
Recorde-se que o roteiro da Comissão Europeia para os Créditos da Natureza, lançado em julho de 2025, visa criar um sistema de créditos certificáveis que recompense ações concretas de proteção e restauração da natureza, como a regeneração de ecossistemas, a conservação de habitats e a gestão sustentável dos recursos naturais. Diferem do MVC porque este se foca principalmente na compensação de emissões de CO₂, enquanto que os Créditos de Natureza medem e valorizam resultados de biodiversidade e serviços do ecossistema. “A transição que agora se desenha é essencialmente conceptual, implica passarmos de uma economia que mede toneladas de carbono para uma que valoriza funções ecológicas e biodiversidade. Os Créditos de Natureza são apenas uma consequência desse raciocínio, a ideia não é substituir o mercado de carbono, mas completam-no, devolvendo-lhe profundidade ecológica e relevância social e impacto duradouro. Este movimento traz consigo uma mudança de métricas e de cultura organizacional, deixa de bastar ‘não fazer dano significativo’ e ‘compensar’; é preciso regenerar, restaurar, conservar, valorizar e partilhar. E é neste contexto social, económico e ecológico que a certificação de biodiversidade ganha relevância”, defende o CEO da NBI.
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